domingo, 23 de novembro de 2008

Velhos e novos amigos

Estava eu tranqüilamente acomodado junto à mesa redonda de tampo de vidro grosso , onde estão postadas quatro cadeiras , à espera do Sandro, para o nosso papo habitual, pouco antes de ele subir e se esconder na sua sala, contando para todo mundo que estava indo trabalhar . Depois que sobe, ninguém mais vê o danado. No entanto, quando chega, sempre ficamos uma meia hora falando coisas inaproveitáveis . Muitas vezes piadas , vez por outra um pouco de política , assuntos variados, mas nunca fofocas, que não somos disso. Nessa roda, não pode faltar a figura do Luca que, não sei porque, tem o vício de comprar pão na casa, para a felicidade do Sandro que, assim, junta uma grana para passar, de vez em quando, um fim de semana na Espanha. Para ele, sai mais barato do que ir para outro lugar. Acresce o fato de que as linhas aéreas operam em Salvador. Melhor do que isso, estraga, não é mesmo? O Luca, por sua vez, é uma figura ! Um paulista, que se fez adotar por Salvador e que, como eu, anda só de bermuda? O papo começa sempre com um cafezinho dito expresso de qualidade duvidosa. Vez por outra, reclamo e o Sandro, com a cara mais insensível desse mundo, indica o balcão da lanchonete onde tiram um expresso de qualidade superior e diz, sorrindo e na base da gozação, que o que tomamos na mesa, é de graça, mas que, quem quiser do outro, vai pagar 2,50, porque é café “ arábico “... e controlado , o que é um absurdo ! Mão de vaca !... Perguntei por que cobravam 2,50 e o Sandro, como aquele sorriso de sempre, me respondeu que cobravam, porque ainda haviam idiotas que pagavam !!...O pior é que, depois daquele cavanhaque estranho que adotou, o seu sorriso ficou mais estranho , terrível e gozador ... Isto, sem falar sobre a oferta do café da manhã em uma das lojas da rede, para o aniversariante do mês, sem direito a acompanhante, porém... Não fica a coisa pela metade ? Ou é técnica de marcketing? ?
O Luca não havia chegado ainda , mas apareceu o David . A conversa começou como a de todos os dias, o que significa dizer que o David já vinha da rua com uma reclamação...para não perder o costume ! Como amigos da casa, tanto ele como eu e o Luca, nos damos o direito de fiscalizar e criticar, mas acaba tudo dando em pizza , porque o Sandro leva na esculhambação e não move um palha...Chegou o Luca, e aí o Clube das nove ( horas) estava formado. A primeira coisa que ele fez foi ir buscar uma garrafinha de água gelada , que a casa poderia muito bem ter ofertado. Dia de calor forte, já pela manhã , o Luca suava bastante. Mas o mão de vaca estava lá e preferiu não ser gentil. Aliás, acho que é norma da casa, todos eles, os patrões, andarem de mãos fechadas...Tínhamos um tempinho para conversa vazia até o momento em que alguém se levantasse e se embrenhasse pela loja, dizendo que iria trabalhar, coisa que ninguém consegue ver. Uma vez eu quis dar uma subidinha para conferir , mas não me deixaram, porque eu estava de calça curta, quer dizer, de bermuda. Já o David anda todo certinho , com aqueles cabelos brancos ondulados bem penteados. Nós dois somos , hoje, duas figuras diferentes , mas já fomos bastante iguais . No meio das primeiras conversas, o David falando, surgiu a figura do tio Domingos e aí não deu outra: nos transportamos para Mata de São João , lá pelos anos 38/40 do século passado ! Sim, é desde aquela época que nos conhecemos, que somos amigos , o que equivale a dizer que nos conhecemos há quase setenta anos e que fomos garotos juntos. E então, começamos a lembrar as coisas de Mata , com uma certa emoção . Alguém de quem o David não esquece é o tio Domingos e do seu alambique. Começou falando da cachaça cujo nome não lembrava e eu lhe avivei a memória dando-lhe o nome da dita cuja “ MOCOTÓ “.. O alambique estava instalado à margem de um rio de nome Caboré cujo significado é um recipiente de barro cozido, que serve para coar café, ou melhor, é mesmo uma jarra de barro cozido. Mas o rio Caboré era, ou é , um córrego de água cristalina e potável e não havia poluição !... Eu falo da vida em outra época... Era nele que nós tomávamos banho ( havia o banheiro dos homens e os da mulheres, claro que separados !) lavávamos as garrafas boca de cerveja recolhidas junto aos bares e armazéns da cidade para engarrafar a pinga que era vendida e consumida em Mata de São João mesmo. Em Mata, todos os pinguços tomavam Mocotó...Aos sábados, o consumo aumentava ! Falamos da feira de todos os sábados quando a cidade fervilhava de gente que aparecia de todos os lados trazendo os seus produtos e para comprar aqueles de que iriam necessitar para o consumo da semana . Lá pelas duas da tarde, começava o movimento inverso...o povo iniciava a pegar o caminho de casa e, em poucas horas, a cidade ficava sem movimento, vazia como em todos os dias da semana, um mortório... Mas não dá para esquecer o cigano Lourenço que todos os sábados estava na feira com a sua manada de cavalos, éguas e mulas e até jegues Era preciso muito cuidado com o Lourenço, para não pegar um animal maquiado...Foi num daqueles sábados que meu pai resolveu comprar uma mula, para poder ir à nossa fazendinha, que não era muito longe da cidade. Haviam dito a ele que uma mula era muito melhor que um cavalo, por ter um passo mais suave e por isso era mais conveniente para uma viagem um pouco mais longa. Como papai não era bom cavaleiro, comprou a mula e a levou para casa, mas surgiu um problema : ninguém conseguia colocar os arreios no animal, que disparava coices de todos os jeitos e de todas as maneiras e em todos os sentidos. A solução foi mesmo devolver a mula cinzenta ao Lourenço , no sábado seguinte , com uma negociação e com um deságio, evidentemente ... afinal de contas, o Lourenço era um cigano ! ...

E a velha amizade com o David, continua , só Deus sabe até quando.

Sarnelli , 22.11.2008

Um comentário:

Cristiano Teixeira disse...

Bartolo, que bom que você está escrevendo. Agente começa sempre assim, escrevendo sobre coisas que lembramos. Vá em frente!