sexta-feira, 9 de janeiro de 2009







O casamento do Lamparina...

Não tenho boa memória para números e datas, mas acho que foi lá pelos anos de 1954 ou 55. Só tenho a certeza mesmo, que foi para o casamento do Lamparina . Este é o apelido que insistíamos em fazer pegar , e pegou , sobre o nosso grande e bom amigo...Naquela época, eu morava em Santos , peguei um Sky Master do Loide Aéreo , um quadrimotor, e voei para Salvador, pois fora convidado para o casamento do bom amigo , em uma cidade no interior da Bahia, ou seja, em Valença , no sul do estado. Tive uma escala no Rio já que vôos diretos de Sampa para Salvador ainda não existiam. Eram aviões a pistão , demoravam mais tempo e estavam sempre sujeitos vácuos pelo caminho, sofrendo seguidas quedas no espaço vazio, até encontrar sustentação de novo. Voavam relativamente baixo, esta é a diferença com os jatos de hoje que voam a mais de 10 mil metros de altura, com uma velocidade média de 800 quilômetros horários, ...com cabine pressurizada , ar condicionado e coisa e tal...O Sky Master tremia o tempo todo , sacudia , abanava as asas . Pior de tudo, quando começava a reduzir a velocidade e perder altura é que sentíamos os efeitos dos freios e da reversão... Parecia que o avião ia estourar... No fim, toda viagem de avião é boa, quando se chega...não é mesmo ?
Como sempre fazia , quando vinha para a Bahia , ficava hospedado na casa do meu amigo de infância e compadre duas vezes . Cheguei alguns dias antes , rolamos pela cidade e fizemos algumas pescarias. Eu vou deixar o personagem com o nome de Lamparina, ou melhor , com o seu apelido... Chegou o dia de seguir para Valença. Tomamos o navio “ CACHOEIRA “ para atravessar a Baía de Todos os Santos eu , o meu compadre, em companhia de uma tia e primos da Marina , a futura mulher do Lamparina , que, cabe aqui dizer, já era médico formado. O naviozinho saiu do cais da Baiana , atravessou a baía , entrou no rio Paraguassu e atracou no terminal de São Felix. Durante todo o trajeto apreciávamos o vai e vem das dezenas de saveiros de velas brancas que se moviam, empurrados pelos ventos , em todas as direções, dentro da imensa baía , a segunda maior do mundo.
Sinceramente, como marinheiros de primeira viagem, não estávamos preparados para o que aconteceu ! Ninguém nos havia avisado. Chegando ao porto, ainda de longe, vimos uma composição ferroviária com seis ou sete vagões , à espera dos passageiros . Até aí, tudo normal. O navio nem tinha atracado ainda quando o pessoal começou a saltar para terra firme correndo em direção aos vagões. Um mundo de gente pulando e correndo para ocupar lugares nos vagões. Não foi fácil não , conseguir um lugar para sentar . Havia passageiros que já haviam encomendado os seus lugares às pessoas do local , mediante, evidentemente, uma gorgetinha . Aquelas pessoas ocupavam tranqüilamente os lugares e , a seguir os entregavam aos interessados logo que chegavam sem ter necessidade de pular do navio e sair correndo. Havia gente que tomava o lugar por conta própria e depois o negociava por uns trocados. Já adivinharam que nós não conseguimos lugar algum, não é verdade ? Viajamos em pé até a cidade de Santo Antônio de Jesus , afinal,não iria ser uma longa viagem. Durante o percurso , houve uma briga dentro do nosso vagão porque um caipirão daqueles havia dado uma bruta cusparada no chão do vagão. Desaforos, palavrões, xingamentos mas, entre mortos e feridos salvaram-se todos. De Santo Antonio de Jesus, viajamos num ônibus, ou melhor num cacareco , rolando sobre uma pista de barro batido e toda esburacada . O tipo da estrada em que você desvia de um buraco para cair em outro, procurando sempre acertar no menor... dentro de uma hora, chegamos a Valença onde fomos recebidos pelo Lamparina que festejou a nossa presença . Estávamos meio mortos e cansados, mas isso o Lamparina resolveu muito rapidamente. Nos colocou no nosso apartamento, sabem onde ? No hospital da cidade! É preciso lembrar, que eu já disse que ele
era ( e ainda é) médico...Havia muitos convidados , pois o casamento do Lamparina era mesmo um acontecimento social na cidade. Afinal, quem não conhecia aquela figura , quase foclórica ?Tinhamos um apartamento,e as refeições as fazíamos na casa da família da Marina, a noiva. Chegou o dia do acontecimento. A igreja, no cocoruto de um morro de onde se tinha uma ampla visão da cidade mas um inconveniente: a subida, que pôde ser feita, também, por meio de uma longa e extenuante escada. Por que, me perguntava, colocaram uma igreja num local que exigia
tanto esforço para chegar até ela ? Subi as escadas, chegando ao alto com as pernas bambas e precisando de um tempinho para me recuperar, e olhe que eu era jovem... o casamento aconteceu na presença de uma multidão, boa parte dela fora da igreja, a festa aconteceu e deu a impressão de que toda a cidade participava dela mas, o tempo foi passando e as coisas se acomodando até que voltou a reinar a tranqüilidade no pedaço e ficamos somente nós , a família e o casal. Fomos descansar. Ficamos mais uns dias em Valença . Corremos a cidade toda eu e o meu compadre . Quando queríamos alguma coisa e entrávamos em algum local , pedíamos o que queríamos e, já na hora de pagar, a eficiência do Lamparina se manifestava . Afinal, por ali, uma palavra sua era e ainda é, com certeza, lei... Não havia na cidade um só local onde pudéssemos comprar algo. Tudo estava pago pelo Lamparina . Iria e foi tudo para a conta dele, embora, certamente, não tivéssemos abusado...Chegou o dia da volta. O nosso velho ônibus , uma longa espera pelo trem na estação e uma viagem desastrada . Num trajeto curto, a Maria Fumaça resolveu quebrar umas quatro vezes. Estávamos no meio do mato , na beira da estrada, sem recurso algum. Matávamos o tempo brincando, conversando , contando piadas. Tínhamos a companhia dos recém-casados indo para Salvador em viagem de lua de mel. Quando, finalmente, chegamos ao porto e conseguimos tomar o navio de volta , tivemos que enfrentar a mesma correria no sentido inverso. O povo pulava do trem e corria para o navio que, desta vez, estava mesmo atracado. Não dava para acompanhar. Fomos Andando calmamente mesmo e cada um de nós arranjou um cantinho para se acomodar. Enfrentamos o trajeto pelo Rio Paraguassu e depois a travessia da Baía de Todos os Santos . Que viagem ! Mas o Lamparina, merecia a nossa presença. Era e é ainda um grande amigo. Depois disso , só me restou preocupar com a viagem de volta para casa ...mais um avião, daquela vez , deixando a bela Salvador para trás !...
Sarnelli – reescrito em 10.01.2009 – Foto baixada da Internet

3 comentários:

Anônimo disse...

Meu grande amigo, espero que tenhas avisado o Lamparina de que escreveste sobre o casamento dele!
Lendo a história, "vivi" cada momento dela - e me senti lá, presenciando tudo o que escreveste!
Estás, a cada dia, me encantando mais com tuas narrativas!
Parabéns!
Bia

esperançoso disse...

Gosto bastante das reminiscências.
Pelo que observei a viagem no navio Cachoeira foi de Salvador até São Roque do Paraguaçu, onde pegou o trem da ex Estrada de Ferro Nazaré/Jequié, saltando em Santo Antônio de Jesus onde pegou o ônibus até Valença.
Havia, também, navio para Cachoeira,obedecendo as marés, e que os passageiros pegavam o trem em São Felix (EFLB), COM DESTINO até Monte Azul Mg.

Sarnelli disse...

Confere , Emerson. O meu abraço .