quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Um fim de semana na Quinta Portuguesa

Há muito tempo que eu e Paola estávamos necessitando de uma escapada da nossa rotina de casa. Foi assim que bolamos um fim de semana longe do nosso dia a dia, que aconteceu no fim de um mês de junho de um ano qualquer. Poderia ter sido em 2.000, 2003, não importa quando foi , porque, na essência, o que nos aconteceu pooderia e pode ocorrer em qualquer tempo... Escolhemos a Quinta Portuguesa por influência e informações de amigos e ainda porque era tudo o que nós queríamos: afastarmo-nos de casa sem sair da cidade, sem sermos obrigados a longas viagens e aqueles processos de embarque e desembarques em aeroportos, manipulação de bagagens , etc. O avião , não nos faria falta, pois estaríamos ouvindo constantemente o barulho das suas turbinas voando baixo, sobre as nossas cabeças, já que o local que escolhemos para nos esconder estava bem camufladinho, porém bem pertinho do aeroporto de Salvador. Estaríamos, também, evitando longas faixas de asfalto , se pegássemos o acesso norte e saíssemos por aí... O local impressiona. Tanto pela sua grandeza como pelas suas instalações cuidadosamente projetadas para pessoas da terceira idade e para quém, de alguma maneira, como nós, desejasse se afastar, pelo menos alguns dias , da movimentação e dos barulhos da cidade. Claro que fomos de carro , levando tudo o que imaginávamos que iríamos necessitar durante a semana que por lá estaríamos, até uma TV de 17" . A Quinta é dependente do Hospital Português que realiza, através dela, uma política de beneficência para os cidadões portugueses e seus dependentes, residentes em Salvador . O ambiente funciona com uma rígidida disciplina e tem hora para tudo. Para o café da manhã, para o almoço e jantar. Você fica esperando o toque do sino que é uma das maiores preocupações dos presentes... Quando fomos, a Quinta estava vazia. No máximo umas dez pessoas , todas idosas. Os mais jovens éramos nós mesmos. O interessante foi que só víamos as pessoas nos horários das refeições, pois, logo a seguir, desapareciam para reaparecerem nas próximas badaladas do sino. Tudo lá era do bom e do melhor e, como não poderia deixar de ser, o ambiente português mesmo. O café da manhã só saía a partir das 8 horas, o almoço às 13 e o jantar só depois das 19 horas. Durante os dias que lá passamos , tivemos oportunidades em que sentimos fome, mas fazer o que , se não esperar o som das badaladas dos sinos ? Com um espaço tão grande entre as refeições, era muito natural que a expectativa fosse grande, quase insuportável , mesmo porque as refeições, ainda que sadias e bem feitas, eram, de certa maneira, leves. Mas o ambiente era legal. Muito espaço, muitos salões, até demais, bem mobiliados, não apenas com móveis maciços , como também com cerâmicas e grandes tapetes. Grandes espelhos em lindas molduras. Eram muitos salões e eu não me interessei em explorar todas as dependências da Quinta. Só de cozinhas, eram duas, muito bem montadas e, sobretudo, totalmente limpas e brilhantes . Salas de convenções ? Haviam duas ! Ah, sim, a piscina ! Uma maravilha. Estávamos num espaço tão grande, cheio de árvores de grande porte, como jaqueiras, castanhas do Pará, mangueiras, abacateiros e até uma grande quantidade de eucaliptos. É claro que apanhei alguns galhos com folhas para fazer uns chás , dos quais sempre gostei.Bem, em baixo de todas aquelas árvores, uma bela pista calçada a paralelepípedos na qual, todas as manhãs e todas as tardes , fazíamos o nosso cooper. Nem sempre eu e Paola íamos no mesmo horário. Só nos faltou mesmo dentro da Quinta foi companhia para um bom bate papo mas, tranquilidade, foi algo que nos sobrou. Estive algumas vezes na piscina, sempre solitário. Beleza de água ! Durante o período fui o único hóspede que se utilizou da piscina. O nosso apartamento tinha uma bela vista para a piscina e para a mata ao redor. Havia um passarinho que resolveu incomodar e fazer vezes de despertador... Diariamente, às cinco della mattina, se instalava no alto de um galho seco e começava a cantoria a pleno pulmões. Não havia o que fazer. Nao havia como mandá-lo cantar em outra freguesia ... A solução mesmo era levantar e partir para o cooper, com apenas um cafezinho roubado na cozinha... quando ainda os poucos hóspedes da quinta dormiam. Eu caminhava uma hora pela manhã e outra pela tarde. Nem é preciso dizer que a Paola foi logo se encaixando no ambiente, fazendo amizades e conversando com as pessoas idosas, certamente se ocupando delas. Para mim , não havia companhia não. Eu seguia em frente solitário e a minha companhia era mesmo a Paola que, na prática, só a via nas horas das refeições e quando nos recolhíamos. Comia-se bem, variado e em quantidade. Cada qual se servia sobre o balcão de mármore. Paola fez amizade com toda a velharia da casa mas cada uma delas tinha uma mania diferente e horários desencontrados. No refeitório, tínhamos um casal interessante. Ele chegava primeiro, se acomodava, se servia e começava a almoçar sem esperar a esposa, uma senhora de 80 ou mais anos, bem acabadinha. Ele demonstrava um vigor físico maior. Ela andava arrastando os chinelos pelo chão e tinha um problema de pálpebra caída , agravado por cataratas.Quando ela conseguia chegar à sua mesa do café, almoço ou janta, já era hora de o marido estar levantando e indo embora sem dizer coisa alguma... usavam mesas distintas , levando, invariavelmente, em baixo do braço, uma caixinha contendo coisas que, provavelmente, eram remédios e a mulher continuava lá , propsseguindo na sua refeição vagarosamente, algumas vezes ajudada por alguém que a servia , para que não fosse até o balcão . Apesar de tudo , era um pessoa lúcida e de boa conversa , com quem a Paola também fez amizade. Paola fez amizades suficientes para provocar um pouco de ciúmes entre as amigas...O que facilitava um pouco era que cada um tinha um horário diferente da outra e dava para ir levando. As pessoas costumavam ir dormir depois do almoço, para reaparecer no toque do sino do sinal do jantar. Terminado o jantar, sumia todo mundo recolhido ao próprio apartamento . A maioria das pessoas presentes eram solitárias. Algumas já moravam lá mesmo há anos e recebiam nos fins de semanas visitas de parentes e amigos, ocasião em " que a população na Quinta aumentava ". Deu para pensar bastante na situação, naquilo que eu estava vendo . Na situação daqueles seres e na nossa própria, no nosso futuro... Cemecei a fazer algumas reflexões. Comecei a me ver daqui a alguns anos arrastando chinelos e aproveitando os corrimões que existem em todos os corredores da Quinta, especialmente nas escadas de poucos degraus. Passados muitos dias da nossa estada na Quinta , ainda ressoava na minha cabeça a pergunta cuja resposta, com certeza, não é nada agradável... Estávamos e continuamos indo de encontro ao tempo... Enquanto a gente aguenta o tranco, enquanto nos equilibramos sobre as nossas próprias pernas apesar de estarem sempre doendo . Tudo bem, faz parte . Qual será a sorte de cada um de nós ? Uma incognita ! Cada uma daquelas pessoas que estava morando na Quinta tinha uma história para contar. Uma vida que ficou para trás, mas nenhum futuro mais para manter a esperança... só a sua fé religiosa . Muitas senhoras estavam sempre com um Terço nas mãos...É o fim da linha neste planeta. Nós também temos a nossa, construída através dos tempos, aqueles que já se foram. Seguiremos a estrada que temos pela frente. A gente dá uma paradinha, olha para trás, estaciona no presente e tenta vislumbrar o futuro sem sabermos qual será a sorte de cada um. É aí que a coisa pega. O passado, sabemos como foi . O presente, estamos vivendo no dia a dia mas, o futuro, nem sabemos se haverá... não há como avaliá-lo , agora que estamos descendo o outro lado da montanha. Vai depender da sorte e do destino de cada qual, se é que ele já vem traçado. Vai depender, também, das pessoas que nos circundam , já que todos têm influência sobre todos e sobre tudo, acredito eu. Foi assim que, o que vi naquela Quinta, me pôs a pensar e a refletir sobre a história e o drama de cada um de nós que vive e a ter receio de como é que será o final... Esse, é o futuro !...

Ah, sim. Quando voltamos à Quinta uma segunda vez, aquela senhora da pálpebra caída, se lembra dela ? Já não estava mais lá...

Sarnell19.01.2009

Um comentário:

Anônimo disse...

Sem comentários... Mexeu comigo... podes imaginar por que.
Fraterno abraço,
Bia