O catador de ferro velho
No sábado passado, aproximadamente às 9 da manhã, abri o
portão de casa para sair e dei de cara com um senhor empurrando um desses
carrinhos que são normalmente usados por aqui para trasportar ferro velho
catado pelo bairro , para ser vendido a
peso. É uma miscelânia de porcarias enferrujadas! Tudo serve, desde que seja de
metal, seja ele qual for. O carrinho mais comum por aqui é feito com a cuba de
uma geladeira, montada, evidentemente sobre um chassis de madeira e sobre quatro
rodas. Me impressionou a figura daquele senhor. Miúdo , franzino, de chapéu como eu gosto, aba curta , velho e
amassado. Sem camisa, mostrava os ossos do tórax , apenas cobertos pela pele ,
porque gordura mesmo, não tinha. O sol estava forte, ele suado e sem
camisa , pois havia empurrado o seu carrinho,
àquela altura, já cheio de materiais colhidos aqui e ali , contra uma ladeira
de uma certa inclinação, embora suave. Havia feito muita força e parou quase
que em frente ao meu portão. Dei-lhe um bom dia e puxei conversa , observando-o
com uma certa atenção. Pele ressecada e curtida pelo sol. Em baixo do seu
chapéu , mostrava um rosto de uma certa idade , mostrava cansaço e apenas um dente ! Me pareceu uma pessoa de
uns sessenta anos, por aí, gasta pelo tempo e pelos esforços da vida que leva catando ferro e empurrando o
seu carrinho por quilômetros sob o sol inclemente de Salvador que faz a delícia de turistas que chegam aqui
branquelos ou das soteropolitanos que desejam manter o bronzeado sem dar bola
para o perigo que o sol representa após às dez da manhã e depois correm
apavorados para a ou o dermatologista por causa de uma mancha que apareceu e
que pode vir a ser um eventual câncer de pele... Mas, voltemos a nós dois . A
mim e ao velhinho... De onde é que vem empurrando esse carrinho, ? Perguntei-lhe
. De casa, respondeu ele. Sim, mas onde o Senhor mora ? No vale das Pedrinhas.
E até onde vai empurrando o seu carrinho ? Até o ferro velho da Vasco da Gama.
Ué , me admirei e perguntei-lhe. E por que o Senhor subiu essa ladeira sem
necessidade ,se podia ir direto e pelo plano sem a necessidade de tanto esforço
? É porque eu preciso passar ali , respondeu ele. E o seu nome, amigo ? Theobaldo
, disse ele. E a sua idade ? Fiquei surpreso ! Como disse, pensava em 60 anos ,
consumidos por uma vida de sacrifícios , quando ele me disse que iria completar
80 anos exatamente neste mês de setembro. Continuava conversando com um homem miúdo ,
mas forte e determinado a ganhar aquele dinheirinho representado pelas peças e
pedaços de ferro que havia recolhido pelo caminho. Sim ... , e me diga uma
coisa: quanto é que o senhor acha que vai conseguir com este material que está
levando ? Ele me olhou, coçou o queixo , pensou um pouco fazendo uma avaliação
e me deu a resposta: uns cinco reais , disse ele de volta... abrindo a boca com
aquele seu dente solitário , num sorriso meio cansado. E então me disse: me
deixe-me ir. Inté ! Estava com pressa, provavelmente com razão. Aquele sol !
Puxa, todo mundo está com pressa neste mundo ? Fomos cada qual para o seu lado
! Ele , em frente , empurrando o seu carrinho, e olha que ainda havia um bom
pedaço até o seu destino Lembrando que àquela altura da manhã o sol estava
forte e pronto para tostar ainda mais o
dorso nu daquele em busca dos seus minguados cinco reais... Muito pouco , quase
nada, pelo trabalho que estava dando ,
mas o suficiente para ele , naquele dia, naquele momento. Quando valem cinco
reais ?
Depende !...
Depende !...
Pois é , o sol nasce para todos , mas a sombra é apenas para alguns privilegiados...
Sarnelli, em 02.09.2024.
2 comentários:
Pois é, esta gente não se aposenta nunca. Não existem para o Estado.
Gostei da história.
Cristiano
A imagem deste senhor tão determinado. A luta de algumas pessoas para ganhar cinco reais - enquanto outras desperdiçam centenas e milhares de reais. A história de vida não contada mas que deve ter sido tecida por ele. O interesse deste cronista tão especial, que és tu, Bartolo Sarnelli. Tudo isto me levou às lágrimas. Tua crônica me comoveu!
Continua sempre nos brindando com teus escritos e com este teu olhar sensível para com o ser humano!
Grande abraço!
Bia
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