terça-feira, 2 de setembro de 2014

O catador de ferro velho





O catador de ferro velho
No sábado passado, aproximadamente às 9 da manhã, abri o portão de casa para sair e dei de cara com um senhor empurrando um desses carrinhos que são normalmente usados por aqui para trasportar ferro velho catado pelo bairro ,  para ser vendido a peso. É uma miscelânia de porcarias enferrujadas! Tudo serve, desde que seja de metal, seja ele qual for. O carrinho mais comum por aqui é feito com a cuba de uma geladeira, montada, evidentemente sobre um chassis de madeira e sobre quatro rodas. Me impressionou a figura daquele senhor. Miúdo , franzino,  de chapéu como eu gosto, aba curta , velho e amassado. Sem camisa, mostrava os ossos do tórax , apenas cobertos pela pele , porque gordura mesmo, não tinha. O sol estava forte, ele suado e sem camisa  , pois havia empurrado o seu carrinho, àquela altura, já cheio de materiais colhidos aqui e ali , contra uma ladeira de uma certa inclinação, embora suave. Havia feito muita força e parou quase que em frente ao meu portão. Dei-lhe um bom dia e puxei conversa , observando-o com uma certa atenção. Pele ressecada e curtida pelo sol. Em baixo do seu chapéu , mostrava um rosto de uma certa idade , mostrava cansaço  e apenas um dente ! Me pareceu uma pessoa de uns sessenta anos, por aí, gasta pelo tempo e pelos esforços  da vida que leva catando ferro e empurrando o seu carrinho por quilômetros sob o sol inclemente de Salvador que  faz a delícia de turistas que chegam aqui branquelos ou das soteropolitanos que desejam manter o bronzeado sem dar bola para o perigo que o sol representa após às dez da manhã e depois correm apavorados para a ou o dermatologista por causa de uma mancha que apareceu e que pode vir a ser um eventual câncer de pele... Mas, voltemos a nós dois . A mim e ao velhinho... De onde é que vem empurrando esse carrinho, ? Perguntei-lhe . De casa, respondeu ele. Sim, mas onde o Senhor mora ? No vale das Pedrinhas. E até onde vai empurrando o seu carrinho ? Até o ferro velho da Vasco da Gama. Ué , me admirei e perguntei-lhe. E por que o Senhor subiu essa ladeira sem necessidade ,se podia ir direto e pelo plano sem a necessidade de tanto esforço ? É porque eu preciso passar ali , respondeu ele. E o seu nome, amigo ? Theobaldo , disse ele. E a sua idade ? Fiquei surpreso ! Como disse, pensava em 60 anos , consumidos por uma vida de sacrifícios , quando ele me disse que iria completar 80 anos exatamente neste mês de setembro.  Continuava conversando com um homem miúdo , mas forte e determinado a ganhar aquele dinheirinho representado pelas peças e pedaços de ferro que havia recolhido pelo caminho. Sim ... , e me diga uma coisa: quanto é que o senhor acha que vai conseguir com este material que está levando ? Ele me olhou, coçou o queixo , pensou um pouco fazendo uma avaliação e me deu a resposta: uns cinco reais , disse ele de volta... abrindo a boca com aquele seu dente solitário , num sorriso meio cansado. E então me disse: me deixe-me ir. Inté !  Estava com  pressa, provavelmente com razão. Aquele sol ! Puxa, todo mundo está com pressa neste mundo ? Fomos cada qual para o seu lado ! Ele , em frente , empurrando o seu carrinho, e olha que ainda havia um bom pedaço até o seu destino Lembrando que àquela altura da manhã o sol estava forte e pronto para tostar ainda mais  o dorso nu daquele em busca dos seus minguados cinco reais... Muito pouco , quase nada,  pelo trabalho que estava dando , mas o suficiente para ele , naquele dia, naquele momento. Quando valem cinco reais ? 

Depende !...


Pois é , o sol nasce para todos , mas a sombra é apenas para alguns privilegiados...

Sarnelli, em 02.09.2024.

2 comentários:

Cristiano Teixeira disse...

Pois é, esta gente não se aposenta nunca. Não existem para o Estado.
Gostei da história.
Cristiano

Bia Lemos disse...

A imagem deste senhor tão determinado. A luta de algumas pessoas para ganhar cinco reais - enquanto outras desperdiçam centenas e milhares de reais. A história de vida não contada mas que deve ter sido tecida por ele. O interesse deste cronista tão especial, que és tu, Bartolo Sarnelli. Tudo isto me levou às lágrimas. Tua crônica me comoveu!
Continua sempre nos brindando com teus escritos e com este teu olhar sensível para com o ser humano!
Grande abraço!
Bia