sábado, 26 de julho de 2014

O vizinho sabido



AA


O vizinho sabido – Crônica

Quando vim morar no endereço atual ,eu estava muito longe do centro da cidade e o pedaço era como se fosse uma pacata cidade do interior onde se colocavam as cadeiras nos passeios de casa para bater aquele papo com os vizinhos. Até mesmo aos domingos, com um tabuleiro,  podíamos jogar partidas de  dama , de xadrez, ou mesmo dominó , tanto era o sossego reinante ...
         O loteamento estava, praticamente,  no começo , e havia muitos terrenos baldios aguardando as construções que seriam feitas sobre eles. Fui vendo os terrenos desaparecerem e , nos espaços , surgirem casas, até que tudo fosse ocupado e chegasse a ser a bagunça que é hoje ! E à medida que o tempo foi passando , o centro da cidade foi chegando até nós até que engoliu o bairro , não havendo mais aquela divisão e o sossego de outra era. Hoje é tudo uma coisa só !... O que era a nossa cidade do interior, fundiu-se com o centro de Salvador.
           Bem aqui pertinho de casa havia uma invasão conhecida com “ O buraco doce “ – Paralela ao rio que, da atual Embasa,  corre para o mar na Mariquita, e perto dela   foi que  o meu pai comprou um terreno onde construiu uma  casa para ele , minha mãe e minha irmã. Uma planta baixa , projetada para os três. Casa térrea e pequena.Com o passar dos tempos , a coisa foi melhorando e a rua ,  que era um lamaçal só quando chovia ,  ganhou asfalto e , consequentemente , nome. Construída a casa, tendo ido morar nela, meu pai ganhou um vizinho, aliás, dois, mas vou falar apenas de um deles com o qual passou a não se dar. Meu pai era um homem de rígidos princípios , à antiga e, se tinha uma coisa que ele não suportava, era o comportamento desse tal vizinho. Todos nós sabemos que é costume do baiano curtir o seu clima tropical e, nas zonas da orla e das praias, andar sem camisa. Simplesmente sandálias, bermuda e calção e é assim mesmo que nós curtimos o clima dentro das nossas próprias casas...O baiano, de um modo geral, é moreno,  bronzeado pelo sol. Mesmo nos dias de céu nublado, não se consegue escapar dos raios solares...É uma delícia andar sem camisa e estar à vontade. Mas, claro, há um limite para tudo. A inimizade do meu pai com o vizinho tinha tudo a ver com a ultrapassagem desse limite. O homem , era um tipo , casca grossa , de pouca estatura e uma barriga gigante , que parecia uma imensa melancia ,  nada elegante e, além do mais, toda pintada com sinais escuros, com tendência para o preto e, para piorar a situação, sentia-se dono da verdade , só ele entendia de tudo e tinha razão e costumava xingar as pessoas de burras e jumentos. Costumava aparecer no portão da casa do meu “ papi” para conversar com a minha irmã e minha mãe, o que era o pior,  ostentando aquela enorme barriga deselegante e até certo ponto causando um leve constrangimento . A bermuda, por falta de cintura, era sustentada na virilha , como o mico do realejo... ! Era um senhor cuja idade nunca conheci. Um dia , baixou hospital com um problema qualquer , ´passou uns dias,  recebeu alta e retornou para casa. Já estava aposentado e, portanto, freqüentava aquela área que ia do seu portão ao nosso, sempre naquele traje . Mas ele tinha um problema na rua com a meninada , que gostava de jogar bola na frente da sua casa , com a gritaria inerente  e ele, incomodado, sempre enxotava a moçada . Quer dizer , relacionamento péssimo com a garotada , que, para se vingar . Jogava sacos de lixo para dentro da sua casa. Ele pensou em resolver o assunto colocando um alambrado alto, foi quando a meninada resolveu jogar bombas de São João que poucavam dentro de sua casa  , mas o tempo passou  e  parece que a coisa se resolveu por conta própria. Um lance interessante, porque a meninada sempre que podia, mexia com ele, foi quando ele, na porta de sua casa , sempre com o barrigão de fora, viu passar um carro e os seus ocupantes gritaram: espanhol, fdp ! A sua  reação (risível) foi rir e dizer: isso não é comigo! Eu não sou espanhol... ! Nesse tipo de relacionamento , a vida ia em frente até o dia em que ele atacou numa conversa, no portão da  casa  da minha irmã , e , entre outras coisas , disse  que os médicos eram todos uns jumentos , que não sabiam nada , que eram incompetentes ,  etc . Contou que ele tinha voltado a sentir o mesmo problema que o levara ao hospital mas que  tinha resolvido o assunto por conta própria e que se sentia muito bem . Disse que havia tomado uma Benzetacil e que todas as dores que o estavam incomodando , haviam passado...

Três dias depois, morreu !

Sarnelli, 25.07.2014
domingo, 20 d

4 comentários:

X 14 disse...

Essa foi ótima!
Embora o bairro tenha se tornado uma Babel,gostaria muito de arranjar uma dessas casas para residir.
Sem um vizinho como esse.

Cristiano Teixeira disse...

Eu gosto de ouvir histórias contadas assim. Só fanda agente sentar numas cadeiras de armar na calçada. Realmente muito sabido este seu vizinho. Tem gente que acha que sabe de tudo e dá nisso
Cristiano Teixeira

Cristiano Teixeira disse...

Eu gosto de histórias do passado contadas assim. Só falta a gente sentar numas cadeiras de armar na calçada.
Cristiano

Bia Lemos disse...

Ehehe Deu saudades dos tempos em que, aqui no RS, também se tinha esta vida mais calma. Só que, até por força do clima, só mesmo nas cidades praianas os homens andavam assim mais à vontade.
Gostei de tua crônica!
Abraços,
Bia