Pasquale e Caymmi moraram nesta casa !
Pasquale e Caymmi moraram nesta casa ...
Um , era escultor e o outro cantor, compositor e poeta e cantava o mar e as coisas da Bahia. O escultor, povoava as praças da cidade ainda em formação, com estátuas, bustos e monumentos de figuras históricas ... O poeta, como o escultor, já se foram, mas estão presentes no nosso dia a dia , pois ao passar por uma praça, você pode se deparar com uma obra sua , como o monumento à Castro Alves que o mundo inteiro conhece e o outro ,nos deixou as delícias e a sensibilidade das suas canções que saíram de Salvador e se espalharam pelo mundo. Nós as ouvimos todos os dias e continuamos nos emocionando..
Mas, o que tem a ver um escultor com um poeta,
compositor e cantor? Pode parecer que nada, mas há sim ! Começa pelo amor de ambos ao mar . Caymmi
cantava o mar. Pasquale foi morar , nos idos de 30 do século XX , quando o Rio
Vermelho/Ondina , era longe da cidade , no meio do mato , ao lado
do mar que ele também tanto amava e contemplava da varanda da casa
que construiu bem juntinho dele. Da mesma varanda que ele contemplava o mar ,
apreciava os pores de sois de todos os
dias...
Dessa varanda , ele observava os pescadores
conhecidos que iam para as pedras com os seus varapaus ( vara de pescar, de
bambu ,curado )e dizia a um deles : pode
trazer tudo o que pegar !
É que a vida é caprichosa e está sempre aprontando,
de um jeito ou de outro. Ora coloca nas
nossas mãos um enorme abacaxi ou contrasta nos proporcionando alegrias
inesperadas. Ora junta fato que, de maneira alguma você poderia imaginar que um
dia aconteceria porque o passado você conhece, o dia que está vivendo , vai
conhecendo aos poucos à medida que ele
se esgota e o futuro... Bem, o futuro, nem mesmo com uma bola de cristal.
Veja, por
exemplo , o que eu tenho a ver com o conhecido Caymmi a quem a vida me ligou
através de um fato simples, da menor importância, que teria passado
despercebido se uma amiga minha, na nossa correspondência, não me tivesse dito: Que tal contar
a história da casa de Caymmi em teu blog???
Aprovei a idéia e então lá vai !
Aliás , vou usar textos dos nossos mails nos quais eu me refiro à
casa da Rua Pedra da Sereia. Fica mais fácil e mais autêntico !
Parte
de um mail : amiga !....
Eu coloquei
um anexo neste mail e estava me esquecendo de falar sobre ele. A foto é a da
casa de Pasquale. A casa original. A que o Governo comprou e deu a
Caymmi. Do lado direito , tinha
dois quartos e uma varanda que dava para o mar.Do lado esquerdo ( vista de
frente ) tinha um quarto que era o do velho e uma grande cozinha. Atrás tinha
um área sem utilidade. Na frente, entre os quartos que ficavam nas
laterais tinha uma varanda e a entrada para a sala principal.
Todas
as portas dos quartos e da cozinha abriam para o salão que ficava no centro da casa , onde não
faltavam janelas , pois o " nonno " dizia que o sol e a ventilação ,precisavam
entrar. Como a casa tinha sido construída num terreno em declive, pendendo
para a esquerda , na parte de baixo haviam mais acomodações, inclusive um salão
que era o seu ateliê , onde se dedicava a trabalhos pequenos, como
desenhos e estatuetas quando não ia para o seu barracão e tinha vontade de
fazer alguma coisa em casa.
Esse
mail, minha cara amiga, é o seu presente de Pásqua ! Abraços do
Bartolo.
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Casa do Pasquale/ Caymmi - quando
ela foi construída, o local era um fim de mundo !
O terreno ocupava uma esquina . A
frente , ficava para a atual av.Oceânica, antiga Getúlio Vargas e a
lateral , paralela à praia .
Era um terreno grande. Tão grande
, que foi dividido em duas partes . De frente para a Av,Oceânica ,
construíram um grande restaurante ( em tamanho ) . A casa do velho
foi reformada e ficou com a frente para o mar ou melhor, para a rua que hoje se
chama Rua Pedra da Sereia.
Lá no fundo, havia e há ( hoje
inativa ) uma pedreira que era e é
a base de um grande morro que na época não tinha nada além de mato. Ali se
batiam os atabaques do candomblé e nem a polícia ia até lá em cima - naquele
tempo , a prática era proibida e perseguida . É o Morro da
Sereia , mas, hoje, é habitado e o pessoal paga IPTU, quem sabe,
talvez , até de zona nobre , como eu , que moro numa casinha modesta
construída há uns 60 anos com material de 3a. ou 4a. qualidade mas bem
distribuída e com uma planta como serve a um casal de idosos como nós. Nós amamos
( preste atenção para o fato de que eu nunca uso esse termo ) a nossa casa ,
ainda mais com todos os quadros pintados por Paola pendurados pelas paredes e
alguma obras que restaram do velhote Pasquale, sempre na minha
memória... !!! Voltando ao morro da Sereia . Uma parte do Morro, na realidade , foi tomada por gente
de dinheiro e virou mesmo zona nobre, em posição privilegiada. No resto do morro, já tomaram conta de tudo,
tanto que cobriram todo ele com construções até chegar ao mar descendo a
outra encosta da parte traseira. Vou lhe mostrar isso posteriormente através de
uma foto e não há mais espaço; Explosões de dinamites constantes ,
foram acabando com uma parte da pedreira. Tiraram pedras até chegar ao
limite da segurança do morro e aí pararam. Não se podia explorar mais pedreiras
na cidade. Na parte que foi destruída, havia uma gruta que chamávamos de "
Gruta da Sereia " . Descansávamos à sua sombra, num ambiente úmido
e saudável salpicado por gotículas de água salgada das ondas que iam de
encontro aos escolhos e curtíamos uma ventilação especial. Deitávamos sobre uma
cama de pedra lisa para descansar e curtir a ventilação fresca que vinha do
mar. Isso deveria, forçosamente, encantar Caymmi ! Na época , de lá,
da pedreira, não se via parte do Rio Vermelho e hoje se vê porque ficou um vão
entre o que restou de pedra na base do morro e aquelas que realmente ficam
junto ao mar . Abriu-se um vazio, Há tempos que eu desejava ir até lá para
tirar uma foto , mas problema com a perna. Fazendo um trocadilho:
uma amiga me passou a perna... Chegou antes de mim e fez a foto que
eu queria fazer. Não me interessei mais...
Mas vou voltar lá e clicar a minha !
Essa seria a gruta a que Caymmi
se referia .
Ocorreu, ainda, o seguinte: quando meu avô morreu, um tio meu
ficou com a casa ,dando à minha mãe a parte dela. Daí, fomos morar na Rua
Bartolomeu de Gusmão , aqui mesmo no Rio Vermelho , em frente a sinaleira do
bonde e do ateliê do artista plástico Mario Cravo Jr.O terreno da nossa nova
casa era tão grande que comportava um bananal, um aviário com algumas centenas
de penosas e ainda uma horta com o seu próprio riachinho que ajudava a manter o
terreno úmido beneficiando a plantação. O efeito colateral , foi me fazer
enjoar de bananas ...
Eram apenas duas irmãs, a herança foi dividida . Depois a casa
foi vendida à um alto comerciante que acabou por revendê-la ao governo , que a
deu de presente a Caymmi para que morasse na Bahia, em Salvador, mais
precisamente. Do lado, no entanto, derrubaram umas casinhas e construíram dois
blocos de apartamentos , o que
devassou a moradia , tirando a privacidade do morador mais
antigo. O próprio Caymmi disse que se aporrinhou , porque a imobiliária
fazia uma propaganda no estilo " venha morar em Ondina, venha ser vizinho
de Caymmi ! Não resta dúvida que ele teve razão.
Ele vendeu a casa e foi para o
Rio !...
Finalizando : onde foi que eu
entrei na história? Ah, sim...No primeiro prego da cumeeira da casa ! Meu avô Pasquale entendeu de me fazer bater o
primeiro e por isto me fez alçarem por
dois homens. Me deu um pregão ( prego grande, bem entendido ) , e um martelo.
Colocou o prego na posição e disse: bata ! Eu bati quanto pude , mas, claro,
não consegui enfiá-lo naquela madeira dura , mas, oficialmente , o primeiro da cumeeira daquela casa que iria acolher duas
pessoas famosas , que hoje não existe
mais. foi batido por mim ( alguém teve que terminar o serviço ... ) Foi aí que
as histórias de Pasquale , Caymmi e o então pequeno Sarnelli , de alguma forma
, se encontraram...! Então, tive o privilegio de bater no primeiro prego da
cumeeira daquela casa da qual encontrei uma foto na internet e que ilustra esta
postagem.
Não são coisas da vida? Pasquale
, um escultor . Caymmi , um poeta ,
compositor e cantor,ambos famosos ,
terem morado na mesma casa ?
Pasquale faleceu em Salvador em
31.03.1943 – Caymmi , no Rio de Janeiro em 16.08.2008 .
Uma coincidência entre os dois :
ambos morreram em casa.
É pouco provável que eles tenham
se conhecido , pois ambos trilhavam vias diferentes...
Sarnelli, 21 de abril de 2014.
3 comentários:
Muito interessante.
Em junho estarei em Salvador e podemos ir juntos visitar a casa.
comentário recebido por ,
Puxa Sarnelli, que história mais bonita sobre a casa que abrigou 2 pessoas tão ligadas pela arte! Que casa abençoada. Pena que puderam banalizar tanto aquele lugar tão sagrado. Mas como você disse: a vida tem umas coisas imprevisíveis. Que bom não é?
Meu querido amigo, fiquei feliz que tenhas postado esta história!E , como não poderia deixar de ser, que tenhas postado a foto da casa! Olhar a foto e ler o que escreveste faz a gente viajar no tempo e espaço, e ver, com os olhos da mente e do coração,Pasquale e, depois, Caymmi, neste pedacinho da Bahia!
Sei que já disse isso muitas vezes, mas vou repetir: tens alma de historiador! E nós, que lemos o que escreves, lucramos com isso!
Fraterno abraço! Bia
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