Morro da Sereia
Panorâmica do Rio Vermelho a partir da pedreira
Mais uma visão do Rio Vermelho
Outra
E outra ...
A
pedreira de Ondina , a Gruta da Sereia e o menino de então.
Estou
voltando à infância e me vendo a
caminhar sobre aquelas pedras, descalço, â procura de um local para me instalar
e tentar pegar alguns peixinhos.As pedras banhadas pelo mar e batidas pelas
ondas eram o meu habitat , enquanto não estava na escola ou empinando arraias no
Capim das Freiras , nas partes das tardes. E eu sempre estava lá nas pedras e
junto à pedreira que estava sendo explorada no local. A pedreira do Morro da
Sereia . Infância feliz , tudo descomplicado e o mundo inteiro à nossa disposição
embora ele fosse apenas mesmo somente aquele pedaço, que era suficiente para
nós. Afinal, não necessitávamos de tanto espaço! Bem, mas eu quero mesmo é falar da pedreira e
lembrar que o morro era praticamente desabitado. Não havia tanta carência de espaço para as
moradias e a maioria da população ainda morava em casas com quintais e com
direito até a uma hortazinha para cultivar o trivial, pelo menos os temperos do
dia a dia... Sim, olha eu me desviando novamente do meu objetivo . Nós
vagávamos pelas pedras trocando de ponto quando em um deles o peixe deixava de
comer e convivíamos pacificamente com a pedreira em franca exploração , mas
aquele monumento que a natureza colocou naquele ponto , na base do morro ,
aquela rocha sólida , ali estava e era nosso companheiro nas horas dês descanso.
Pedra lisa , tinha uma parte ainda intocada que nos permitia usufruirmos da
paisagem e até mesmo descansarmos à sombra de uma grande rocha que avançava
cobrindo uma outra e ajudando a formar a gruta que conhecíamos como a gruta da
Sereia . Rolava uma história de que era ali que ela descansava quando assim o
desejasse , daí o nome que a voz popular deu ao pedaço. Por nossa vez, também
costumávamos, muitas vezes , nos proteger do sol ,
descansarmos curtindo a sombra e a
paisagem. Tínhamos à nossa frente um mar imenso, toda a praia de Ondina e
olhando para a esquerda, o Rio Vermelho até o Morro do Conselho , claro que com
uma visão diferente , porque estou me referindo a um tempo que ficou, no meu
caso , há cerca de 70 anos para trás.
Não havia , na paisagem , nem ao menos imagínávamos que iria crescer tudo
aquilo que hoje vemos daquele ponto...Tínhamos, da Gruta da Sereia, todo um
horizonte à nossa frente . A exploração da pedreira continuava direto , mas a
nossa , Pedra da Sereia e a gruta estavam
lá. Não oferecia perigo. Era um cantinho do mundo , do nosso pequeno mundo,
muito especial. A nossa casa ficava ali na esquina . Da varanda ,eu era constantemente
monitorado, mas, um dia , morreu o meu avô . Foi em 1943, quando as coisas
começaram a mudar e rola prá cá, rola prá lá, a minha família mudou de muitas
casas no Rio Vermelho e eu comecei a ficar sempre mais longe da pedreira , da
gruta e do pedaço. Encontrei outros lugares para as minhas pescarias. O tempo
foi passando e as coisas acontecendo , mas me bateu ma vontade de ir ate lá
tirar algumas fotos olhando para o que é o Rio Vermelho de hoje, do outro lado
da pedreira. Chegou o dia e ontem , dia dois de maio , fui até lá fazendo até mesmo um sacrifício
por conta da perna direita que , junto com a esquerda ,estão comigo há mais de
80 anos. O que vi , mudou a minha visão totalmente . Um cenário de destruição
completo . de um bombardeio à minha
frente. Faltava alguma coisa. A rocha e a gruta da Sereia haviam desaparecido.
Depois da morte do meu avô, a casa que ele construiu ,passou por diversas mãos
. Ela dava a frente para a Av.Oceânica, antiga Getúlio Vargas . O terreno era
grande .Foi dividido ao meio e na parte da frente fizeram uma construção. Na
parte ocupada pela casa que o meu velho construiu fizeram uma outra com a frente voltada para o mar e
então aquele lado que antigamente não tinha nome , foi batizado como Rua da
Pedra da Sereia . Foi só o que ficou. Um nome e uma recordação ! Nada mais ! Meu Deus, tiraram tanta pedra
de lá que deve estar espalhada por toda a cidade e, pensando assim, me dei conta de quanta
pedra foi utilizada na construção da cidade de Salvador.
Que
eu tivesse conhecido, aqui por perto haviam duas pedreiras : a do Morro da
Sereia e aquela no morro onde Funciona hoje a Prefeitura da Aeronáutica. Aí, me pus a vagar mentalmente pela cidade e me dei conta de que a minha cidade
foi construída na base da pedra lascada, boa parte provavelmente transportada pelos escravos. Haja vista
aquele paredão à esquerda de quem sobe
da Ladeira da Montanha , que sustenta a cidade alta e os próprios arcos , em baixo da pista da mesma ladeira da Montanha e outras obras pela cidade. A
pedra era o elemento natural para a preparação dos alicerces das casas além de
estar sempre presente na construção de fortes, como aquele do Santo Antonio da
Barra , onde foi montado o farol da
Barra, o Forte de São Marcelo e outros . Bem pertinho de nós , temos amuralha
da Praia da Paciência ... Muita pedra, então foi utilizada na construção da
cidade. Do Farol da Barra ao Rio Vermelho, todas as muralhas de arrimo ao longo
do asfalto são de pedra.Não precisamos ir tão longe , portanto, para avaliarmos
a importância da pedra. Aqui no Parque temos diversas . Hoje, o sistema mudou. Já não há pedreiras na cidade.
Hoje não se fazem mais alicerces à moda antiga. Usa-se concreto , mas , nem por
isso ela deixa de estar presente na mistura...Isso, falando só de Salvador,
porque mundo afora, foi a mesma coisa...
Só
que no nosso caso não temos mais nem a Pedra nem a gruta da Sereia! Ninguém
mais a viu por aqui. Certamente encontrou outro lugar para os seus momentos de
descanso e para ver um mundo também maravilhoso de fora da água e até mesmo tomar um
solzinho pela manhã . Afinal, uma Sereia bronzeada deve ser linda de se ver e
como mulher é vaidosa... Eu nunca vi a
Sereia, mas tinha a consciência que ela não queria ser vista e respeitava ,
como fazem os pescadores, a sua privacidade , mas sentia a sua presença. Só não
sei para onde foi...
A
3 comentários:
Velhos e bons tempos, caro Sarnelli, infelizmente só ficou a lembrança...
Amigo Bartolo, temo que eu me torne repetitiva nos comentários que faço a respeito de teus artigos. Mas como não ficar encantada com o que escreves? Pude ver o menino Bartolo daqueles mais de 70 anos atrás que mencionaste... Pude ver a praia como ela era, imaginar a família mudando daqui para ali e a praia mudando, sendo alterada pelas mãos do ser humano, as construções surgindo... Tempos passados, que não retornam? Talvez... Se bem que, da maneira como nos transmites tuas lembranças, é como se estes tempos estivessem logo ali... escondidos atrás de um tênue véu, cuja ponta se ergue e nos permite entrever o que já foi e como as coisas já foram. Obrigada por partilhares conosco toda esta riqueza dos tempos mais antigos. Fraterno abraço. Bia
Belo texto, bela memória. Conheci o morro há 5 anos e senti uma energia boa q irradia daquele local. Infelizmente cresceu de forma desordenada, mas a energia boa está lá nas poucas pedras q restaram. Parabéns pelo texto é obrigada por partilhas suas memórias.
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