quarta-feira, 25 de julho de 2012

A história do AUGUSTA


Foto/Fonte : Internet/Google
Posted by PicasaAlberto Sarnelli e o ‘AUGUSTA




Recorrendo à minha memória de criança, retrocedo aos anos 40 do século passado , quando a segunda guerra mundial assolava o mundo

Nós já estávamos no Brasil. Eu nasci em 1931 e já entendia alguma coisa, mas, claro que, criança que era, não dava a menor importância ao que estava acontecendo por outras bandas do mundo. Meu pai já havia trazido a família da Itália, chamado que foi pelo meu avô materno para trazer um monumento, via marítima, esculpido e fundido na Itália. Nos primeiros tempos, o velho Sarnelli ajudava o sogro na instalação do monumento ao Visconde de Cayru na praça do mesmo nome , em frente ao atual Mercado Modelo , mas, depois, foi preciso arranjar outro trabalho. Por uns tempos ele vendeu rádios para uma firma que, se não me falha a memória, se chamava Byghton & Cia, chegando mesmo a ganhar um rádio , daqueles valvulados que era preciso esperar esquentar e depois , quando funcionava, o que mais se ouvia eram descargas elétricas , como prêmio , por ter sido o vendedor que se destacou em determinado mês. Enquanto isso , a vida ia acontecendo em todo o mundo , onde haviam guerras e onde havia paz como por aqui , mas com reflexos políticos , principalmente para os componentes do eixo, quer dizer, para os alemães, japoneses e italianos. Uns foram presos, outros perseguidos , como o meu pai, que chegou a sofrer um derrame que, felizmente , não deixou seqüelas, que se retirou para a cidadezinha de Mata de São João onde iniciou uma atividade avícola, comprou algumas casinhas que alugava para ter uma renda uma vez que estava sem trabalho.Antes disso, ele já havia mudado de trabalho. Era empregado em uma agência de navegação cujo dono era um Senhor de nome Theodósio. Como todos os mortais, o dia dele chegou. As irmãs, se não me engano, eram duas, resolveram entregar a agência ao Alberto , que por coincidência, tinha o pai em Napoli , também funcionário da mesma companhia de navegação, que, com a sua influência ,conseguiu que a agência da companhia Andrea Zanchi em Salvador, ficasse, definitivamente , com o meu pai, o Alberto. A coisa ia indo, até que estourou a guerra em 1939 , que durou até 1945 . O azar foi o Mussolini se aliar à Alemanha e ao Japão e então surgiram as potências do “ eixo” como eram chamadas esse trio. A navegação marítima de longo curso deu uma parada. Navios brasileiros estavam sendo torpedeados nas costas do Brasil para cortar linhas de abastecimento . Getúlio Vargas colocou o Brasil em guerra ao lado dos americanos e ingleses . Na oportunidade, nos começo da década de 40 , ainda havia abastecimento via marítima de produtos da América do Sul para a Europa, que foi interrompido devido ao perigo de torpedeamento. Foi aí que a história começou. Não me lembro exatamente quando. Eu deveria ter entre 8 a 10 anos e estava , como criança, alheio a certas coisas. O mundo, para mim, era só alegria e brincadeiras . Apenas ouvia algumas notícias no rádio e alguns comentários dentro de casa porque todo cuidado era pouco, mas não me interessavam. Bastava uma simples desconfiança e ou uma denúncia para transformar a vida do indivíduo num inferno . Meu pai ,  "  do ponto de vista dos americanos e ingleses, era persona non grata " . Como agente de navegação de uma companhia italiana era uma das pessoas visadas e cujo nome figurava da lista negra dos aliados ( americanos, ingleses ),  mas ainda contava com a proteção do consulado italiano, enquanto o Brasil manteve relações diplomáticas com a Itália e até quando próprio Brasil entrou na contenda enviando os pracinhas para a Itália . Para piorar a situação , entra na vida dele o navio Itáliano “AUGUSTA” que estava seguindo para a Itália com um carregamento de dez mil toneladas de carne argentina para o governo italiano. O navio estava à altura do Recife , quando a companhia ordenou ao comandante que se refugiasse no porto de Salvador. De nada adiantaram os argumentos do comandante , alegando que estava muito mais perto do Recife ,mas a ordem teve que ser cumprida e o navio com as suas dez mil toneladas e carne veio lançar âncora dentro da Baía de todos os Santos, bem em frente à antiga feira de água de Meninos, onde depois construíram o Frigorífico FRIUSA ,na companhia de um outro que se chamava ’LIANA”, também de bandeira italiana , este, carregado de milho, tudo procedente da Argentina.Como agente da Companhia Andrea Zanchi , meu pai assumiu as suas responsabilidades enfrentando as dificuldades que apareciam constantemente porque havia, na época, o  que é compreensível ,um forte sentimento de nacionalismo. Ele Era, para todos os efeitos, um elemento do eixo, chamado de “ quinta coluna “ , ou seja , inimigo . Do “ LIANA” , com a sua carga de milho ,não sei dizer nada , porque pertencia à uma outra companhia e as conversas que rolavam em casa só diziam respeito ao “Augusta” e seu problema , ou seja: ao trabalho em ndamento. O navio, enquanto ancorado e com os frigoríficos funcionando, era abastecido de carvão que vinha regularmente do Rio de Janeiro , por mar, mas, depois de um ano nessas condições, o equipamento frigorífico começou a apresentar defeito e parte da carne começava a dar sinais de deterioração. Foi quando decidiriam desembarcar a carne e charqueá-la. Parte dela, chegou a ser jogada ao mar, em alto mar, mas custava a descongelar e a maré a trazia para a praia onde o povo a apanhava para consumo. O financiamento da empreitada ficou à cargo do Banco Francês e Italiano para a América do Sul S/A, que fornecia ao meu pai talões de cheques em branco e sem limites para saques , destinados às despesas e ao investimento total. Foi preciso arranjar-se um local para a charqueada e ele foi encontrado perto de onde é hoje a MAKRO ( hoje, seria às margens da BR324),no sentido  Salvador / Feira. Resolvidos os problemas financeiros, localizado o terreno , necessário se fazia em técnico especializado , que foi ser encontrado no Frigorífico Anselmi do Rio Grande do Sul .Toda a carne descarregada do navio foi transportada para o galpão da charqueada onde passou a ser descongelada e processada. Meu pai me levou uma vez . Eram montanhas de carne e dezenas de operários manejando enormes e afiada peixeiras , no preparo das mantas para serem secas ao sol.

Todos os dias , via meu pai sair de casa portando , do lado direito e na cintura , um 32 com cabo de madre-pérola, que ele dizia ter pertencido ao seu próprio pai , um exímio atirador ,  mas nunca ouvi dizer que tivesse tido a necessidade, nem ele nem os outros envolvidos com ele na empreitada, de dar um de só tiro . Muito menos ouvi falar em acidentes nem de brigas entre os próprios operários, todos portaores de peixeiras... Aparentemente correu tudo bem .

Todo esse trabalho durou muito tempo. Só o tempo em que o navio ficou ancorado , passou de um ano , mas do trabalho em si , não sei avaliar . Não tenho a menor idéia de quanto tempo durou aquela trabalheira.

Claro que era preciso distribuir o produto no mercado. Passou-se, naquele período a não importar charque , que vinha do RS  e a introduzir no mercado a produção local. Para isto, foi feito um acordo com uma firma tradicional de Salvador. A Manoel Joaquim de Carvalho & Cia.

Me lembro que uma vez fomos convidados a ir almoçar a bordo. Tomamos uma lancha na rampa do Mercado Modelo e rumamos para o navio ancorado ao largo . Na hora de passar da lancha para o navio a corrente do meu relógio prendeu numa peça da lancha , partiu e caíu no mar e eu o vi, desolado, descer em parafuso ! No almoço,  como sobremesa, apresentaram um bolo em fatias . Minha mãe, encantada , pediu a receita ao Chef da cozinha . Ele a deu, porém incompleta . Não obstante, após uma série de tentativas, minha mãe conseguiu chegar lá... Era um bolo que devia ser feito uns dias antes e colocado na geladeira, com cobertura de creme de chocolate. Uma delícia, que depois virou o bolo oficial da família.



Bem, mas tinha, depois de tudo isso, um trabalho importante a ser feito. Entregar o navio às autoridades Brasileiras . Por ocasião da troca das bandeiras houve, a bordo,um início de rebeldia por parte da tripulação que não queria entregar o navio, queriam “ abrir as válvulas”, coisas assim, que foram contornadas , o navio foi entregue e passou a navegar ostentando a bandeira Brasileira, integrando a frota do Lloyd Brasileiro  . Terminada a guerra, o “AUGUSTA” deveria, e o foi, ser devolvido aos seus proprietários , e o foi ,  porém em condições de ir direto para o desmanche.

Assim, terminou a história do ‘Augusta” –

Da tripulação, quase a totalidade ficou por aqui mesmo.


 Quando a navegação marítima retomou o seu curso de antes da guerra , armador italiano, que perdeu todos os seus navios, dono do “Augusta” , repassou, com boas recomendações , todos o seus agentes para os armadores da Línea C , da qual ele , um dia, se desligaria . Esse relacionamento com a nova companhia durou mais de 20 anos e eu mesmo cheguei e ter partiipação ativa nos trabalhos , tanto nos portos de Santos quanto no de Salvador.

Em 1948 ,a companhia mandou o Sarnelli Para Santos e São Paulo, onde organizou as agências e depois retornou para a velha Salvador, não sem antes ter recebido duas comendas do governo italiano , através do Consulado em Santos , por serviços prestados, fato esse que é do total desconhecimento das pessoas e que Ele tentava manter em segredo . Afinal de contas , um “ Cavalheiro” , ou mesmo um “Comendador” , não passam de uma pessoa comum que fez alguma coisa de certa importância.


Por Sarnelli , em 25.07.2012
(Bartolo)


2 comentários:

Cristiano Teixeira disse...

Eu gosto destas histórias paralelas ligadas a um acontecimento maior, no caso a IIa Grande Guerra. Bartolo seu relato rico em detalhes tem um valor histórico que merecia estar registrado num livro de memórias, muito bom. Uma coisa me deixou curioso, dona Paola também aprendeu a fazer aquele bolo?!
Abraço, Cristiano

Sarnelli disse...

Ah...o famoso bolo ? Acabou sendo segredo de família , que apenas D.Emilia, depois minha irmã e D.Paola coseguiram fazer , mas já era! Ninguém quer mais colocar as mãos na massa ...